quarta-feira, agosto 19, 2009

nem tudo é crer

Remeteu-me, desatentamente, uma promessa rota num bilhete mal feito. Com péssima caligrafia, em papel puído, enviou-me uma promessa morta antes mesmo de haver nascido. Feto morto a promessa, morta sem ter visto a luz do mundo.
Recebi aquelas palavras com coração frio, quase tão gélido quanto as carnes da promessa abortada. Fitando-a, não enxerguei vida, respiração não detectei. Logo, da minha frialdade, aflorou um pensamento discreto e tive pena das crianças que se vão tão cedo. Senti, com a pressa de quem lê uma notícia jornalística, que era injusto morrer sem ter vivido efetivamente.
Passaram-me, então, ligeiros na memória os ideais feministas, a descriminalização do aborto.
Se realmente estivesse eu diante de um jornal, tê-lo-ia fechado e abandonado-o a um canto da sala. A realidade, porém, era menos amena. Não estava diante de jornal algum, mas de uma promessa morta em um bilhete descuidado.
Diante do cadáver, resignei-me por velá-lo durante algumas horas. Na sua pequenez, tirou-me dos olhos um olhar piedoso com o qual cuidei por enterrar aquilo que morto estava.
De há muito, tinha eu as promessas como fetos abortados, expulsos das entranhas em virtude do temor. O medo da responsabilidade ou, no mais das vezes, o medo do novo é, sem dúvidas, letal e destrói, no seu âmago, tudo sobre a face da terra cuja existência não haja alcançado nove meses de gestação.