terça-feira, outubro 02, 2012

when the snow falls

 The snow falls `round my window
But it can`t chill my heart
Weary Blues - Madeleine Peyroux

 
Estar ali, perante o nada, parecia conferir-lhe algum sentido oculto. O infinito, cuja dimensão seus olhos não eram capazes de captar, contido em todo aquele céu negro, era dotado de uma espécie de efeito anestésico, alienante, bom e essencial.
A noite, ela sabia, era sempre nostálgica, repleta, portanto, de perigos pontiagudos, farpas de doces memórias perfurantes, lindas e doloridas lembranças, estas que causam tão forte dependência química e emocional.
Permanecer era um exercício arriscado, pois qualquer brisa leve poderia ser um caminho para recordar o amor, sonhar com planos irrealizáveis, inevitavelmente frustrantes. Sim, ela sabia. Qualquer movimento em falso seria fatal e olhar ao redor poderia ser tão terrível...
Costumava, então, abrir bem os olhos à lua, que, por ser absolutamente material e completa, era seu paradigma de autossuficiência. Imóvel, sóbria, fria. Contemplando-a, ensaiava um sorriso esperançoso, de pupilo que, desastrada e ingenuamente, quer copiar o mestre, em um caricato ato de credulidade.
A canção, porém, alonga-se: o gelo cai, mas o coração, por teimosia ou vocação, nunca desaquece. É a lei.