Sentir os sentimentos de todos os dias tem das suas complicações. Já não se sabe o que é rotina do trabalho ou rotina da paixão... Uma vez me contaram de uma moça que, imaginem, levou uma carta de amor à publicação em Diário Oficial. Por equívoco, entre a escrita de documento público e a elaboração de uma declaração, digamos, informal, acabou por misturar os textos e desembocou no vexame de haver confundido os papéis de funcionária pública e mulher apaixonada.
Se acordares bem cedo, não levantes da cama de imediato. Gasta uns cinco a sete minutos de olhos preguiçosos, na indecisão por acordar ou não. Levanta, então, desejando-me, sem que eu desperte, "bom dia", como quem queria desejar "boa noite" para prolongar-me o sono.
Toma teu banho, escova os dentes e bebe aquele teu café forte diário. Vai ao trabalho, esperando que, tão logo eu acorde, pense que gostaria que teu dia fosse dos mais bonitos de julho. Inicia tuas atividades e telefonemas. Entre um pensamento e outro, que te corte a concentração uma imagem minha, um cheiro, um toque te ganhe a memória.
Lê mais, escreve um outro bocado, puxa assunto com algum colega para descontrair o ambiente, mas, uma vez ainda, lembra de mim, uma piada contada ou uma história qualquer que te faça rir. Em contenção, pensa: "É esquisita esta vontade boba de rir". Sorri, mesmo assim, ainda que desconcertado.
Almoça, retoma as atividades com o mesmo ritmo, com as mesmas interrupções por pensamentos outros, porém igualmente a mim relativos, até que a tarde finde e tomes teu rumo de volta.
No caminho, julga-te abobalhado, ridículo, crê que és fútil, talvez, mas sem perder o sorriso, sem cogitar a possibilidade de que o quadro mude.
Cantarola um refrão antes de abrir a porta, desabotoando a camisa, sentindo-te em casa, no escuro da sala, como fosse o sol ainda nascendo, revigorando-te, preparando-te para o que, a ti, parecerá amanhecer.
Encontra-me em algum canto da casa com uma ânsia meio velada de matar as saudades e, da maneira mais suave, deseja-me "boa noite" como quem quer desejar "bom dia" para tornar lentas nossas horas conjuntas, nosso dia que ali iniciará.