quarta-feira, janeiro 06, 2010

garoa




Subia pela estrada de terra num passo excessivamente apressado, sob a chuva mansa, de gotas esparsas, que apenas conseguiam erguer do solo um bafo quente. As minúsculas gotas apagavam o pó do chão e se misturavam ao suor de Joaquim, formando um líquido salgado, amálgama de nuvens derretidas e preocupações. O líquido lhe descia pela testa, atingindo-lhe os olhos, que piscavam irritadiços.
Seguia resolvido, esmagando, avidamente, as folhas e galhos ressequidos do chão, como um gigante cruel e ameaçador. Não olhava os detalhes do caminho nem se detinha para observar a fauna levemente molhada que decorava a estrada: alguns pardais, lagartixas e um ou outro cachorro - tudo ali absolutamente desimportante. Não chegavam sequer a compor o cenário, pois, naquele momento, nem mesmo cenário existia. Na ocasião, Joaquim era apenas preocupação.
Avistando a casa de Carminha, quis apressar ainda mais a marcha e já quase corria. Bateu à porta, numa cadência nervosa, e como não ouvisse qualquer resposta de dentro da casa, pôs-se a chamar pela noiva em alta voz.
Caminhou, em desespero, até a porta de trás, novamente chamando por Carminha, sem, contudo, haver obtido êxito. Feriu com batidas agoniadas as janelas, deu outros tantos gritos e até pensou em destelhar a casa para se certificar de que não havia ninguém ali. Desejou berrar em todas as línguas conhecidas sobre a terra até que a noiva lhe replicasse: “Estou aqui, meu bem”. Era inútil, mesmo porque não falava ele outros idiomas e, inclusive, o português da amada era pífio.
Decidiu-se, então, por falar com a vizinha de sua noiva, pois talvez aquela senhora a tivesse visto sair de casa ou quem sabe até soubesse para onde Carminha havia se dirigido naquela tarde. Melhor: podia a vizinha ter ouvido a noiva atender algum telefonema e haver escutado a voz do interlocutor, decifrando-lhe o nome.
A vizinha, porém, destacando que sempre foi uma mulher discreta, disse não haver reparado na moça:
- Faço questão de não saber da vida alheia e o senhor devia fazer o mesmo.
Joaquim não tinha tempo nem tampouco paciência para explicar àquela dona o motivo de seus questionamentos. Com os olhos marejados e repetindo em altura quase inaudível o nome de Carminha, voltou à porta dianteira da casa e nela encostado, resvalou até o chão, enterrou a cabeça entre os joelhos e teve vontade de chorar compulsivamente, abandonando-se a pensamentos pungentes.
Sem mais, a moça abriu a porta, fazendo o noivo cair de costas, quase prostrado a seus pés. O rapaz levantou-se de qualquer jeito e beijou a moça, entre soluços. Carminha, numa tranqüilidade sobrenatural, com sorriso distraído, falou:
- Meu bem, você tomou chuva. A julgar pelo gosto dessas gotinhas em seu rosto, acho que é o primeiro caso de garoa salgada.
Abraçados, permaneceram quietos e silenciosos, na certeza de que as palavras eram desnecessárias ao momento. Contemplando o fenômeno dos chuviscos salgados, ali estavam, cúmplices, apaniguados, compartilhando, em segredo, o mistério daquela garoa. Joaquim sabia que, para Carminha, a chuva salgada seria muito mais inteligível que a realidade do rapaz, suas lágrimas, suor e inquietações. Melhor assim.

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