Não sei escrever cartas. Tenho dificuldade em me dirigir a alguém em específico. Meu dom se restringe a falar a um grupo de pessoas indeterminado, cujas faces não tenho eu de encarar, cujos olhares não preciso conhecer. Não dedique, pois, muito de sua atenção a esta correspondência, que, possivelmente, parecer-lhe-á mal feita.
Causaram-me espanto suas palavras, agrestes, embora vestidas em um traje de eufemismo. Apesar de duras, parecem-me verdadeiramente transparentes, quero dizer, enxergo nelas bastante sinceridade. Você toda me pareceu um poço de sinceridade e não é isto um dos galanteios baratos que tanto vê no livro que chama de "grande monstro de papel branco", a menos, é claro, que deseje figurar naquelas páginas. Da minha parte, objeção não haveria.
Pelas críticas, as construtivas e aquelas em que desponta um sinal de desprezo - e que nem por isso deixam de ser bem didáticas -, agradeço. Não pretendo observá-las, mesmo porque todo o público que remanesce, ainda que sem a sua aprovação, é o que me alimenta. Não estou me referindo à satisfação profissional, felicidade, nada disso. Falo de comida à mesa, uísques diários e alguns pequenos luxos que a venda de mim mesmo me proporciona.
Do pouco ou nada que conheço a seu respeito, posso inferir que a essa função alimentar dos "romances autobiográficos em múltiplos contextos" você chamaria prostituição intelectual. Pois bem, quem nunca vendeu um pouco de si?
Por favor, queira não levar a mal minha resposta, não tomá-la por grosseira. Entenda a forma de sobrevivência que para mim erigi como a melhor e não esqueça de comigo colaborar: à sua amiga, avise que, às sextas, pode ela me encontrar, via de regra, desacompanhado, naquele bar à Rua Nova. Imagino que sua ajuda me renderá ao menos mais um capítulo e alguns mimos, merecidos por um bom vendedor da própria vida.