terça-feira, novembro 17, 2009

licença poética

Não me recordo, com exatidão, da primeira vez em que ouvi falar em licença poética. Acredito que, à ocasião, comentava-se sobre Chico Buarque, talvez sobre Caetano Veloso, ou mais precisamente sobre uma letra que fosse da autoria de um deles na qual, usando de certa atenção, era possível detectar um erro gramatical.
Gostei da expressão e, após me haver ela chegado aos ouvidos em outras oportunidades, dediquei-me a procurar situações para empregá-la. Dia desses, porém, percebi que, muito embora quando do meu primeiro contato com a idéia de licença poética tenha me parecido seu sentido plenamente intuitivo, a acepção da terminologia já não se me afigurava tão óbvia. Antes se mostrava muito evidente que licença poética era uma espécie de discurso dos literatos: "Dá licença que, em literatura, a gente pode falar o que quiser e como quiser". Podia ser também um tipo de documento concedido pela prefeitura em que se autoriza a liberdade de tudo dizer, ainda que sem obediência a uma forma prévia. De toda sorte, o significado principal estava na cara.
Num dia de praticidade, porém, encarei de frente e com outros olhos a tal licença poética e a tomei como efetiva pausa da poesia, um fim para tudo o quanto houvesse de literário na minha história. Era uma permissão para ir embora, um adeus aos versos, à estesia.
Despedi-me, sem pesar, de muito e decidi que, dali por diante, nada passaria de palavras secas. Evitei entrelinhas e não deixei margem para múltiplas interpretações. Os fatos tornaram-se controláveis, previsíveis e, é verdade, tudo parecia cômodo e bem acomodado. Havia posto as coisas em ordem e não pretendia mudá-las de posição até que a despedida parece despropositada e a poesia faz falta.  A ordem cômoda mostra-se desconfortante e a arrumação, de tão perfeita, finda inútil.
Certamente, necessária será uma nova licença, dessa vez, uma licença dada pela própria poesia, uma permissão à reaproximação. Por ora, não sei como proceder. Peço perdão, portanto, se não me reconcilio depressa com ela. Lamento pelas palavras pobres, pois, por minha vontade, mostraria, já de agora, algo que se pudesse chamar literatura.