segunda-feira, fevereiro 21, 2011

olhos de strike



Naquele dia, punha em ordem meus armários, papéis, livros, revistas e lixos em geral. Surpreendia-me com os achados como quem descobria monumentos paleozóicos, documentos históricos. 
Eram folhas amareladas, fotos com rostos quase esquecidos, grafias insondáveis, de autores, por pouco, igualmente indecifráveis. O mais doloroso, no entanto, não era a antiguidade de todas aquelas velharias, mas saber que eram minhas. Minhas recordações, minhas pequenas memórias, de um tempo que, dia desses foi ontem e agora se mostrava passado remoto. E porque tudo aquilo se via tão antigo, tão gasto, tão pó, vi que também eu havia me tornado vítima dos anos. Achava-me, transcorrida uma vida de tantas horas, velha ou simplesmente uma sombra decadente do que, um dia, tinha sido.
Na juventude, não podia me considerar a mais bela, embora guardasse no semblante a certeza de uma graça bem elogiada. Da mesma forma, não obstante carecesse de genialidade, jamais me faltou a perspicácia que um à época namorado detectou nos meus olhos, para ele considerados como duas sagazes bolas escuras, inquietas e rígidas. "Olhos de strike", como costumava dizer.
Naquela ocasião, achei brega, piegas, feio, enfim. Hoje, porém, agradar-me-ia ouvi-lo outra vez. Os tais "olhos de strike", que simplesmente derrubam aquilo que esteja adiante, quisera ainda tê-los, pois a própria sequência ininterrupta dos anos se encarregou de apagá-los, retirando-lhes a densidade e a força.
A idade dói, meus anos pesam. Cá estou, idosa e caquética, com o fardo da vida inteira, mas sinceramente realizada em carregá-lo, satisfeita com toda a alegria e toda a tristeza passadas, com tudo que ganhei sabendo que perderia - e, de fato, perdi. Afinal, assim haveria, feliz e irremediavelmente, de ser. 

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