Minha vida é um livro aberto
e, amigo, é certo
que podes ler.
Sentou-se e pôs-se a folhear o livro que de há muito carregava. Parou em uma página qualquer, escolheu um parágrafo, aleatoriamente:"Otávio tinha os olhos no chão, apagados. Tinha medo da vida, das pontes e, principalmente, dos rios de correnteza forte".
Fechou o volume, abandonou-o entre as próprias mãos, esquecidas sobre as pernas. Imaginava que o personagem era um perfeito imbecil e tinha raiva dele. "Bom, se sofre - raciocinava ela - é porque merece. Os fracos merecem".
Pensou nas maledicências que poderiam, naquele momento, sair de sua boca, que poderia culpar aquele ser imaginário, preso em uma sequência de folhas de papel. Seria injusta, porém. Culparia quem já nasceu fadado a um só destino, estabelecido pelo autor da obra.
É verdade que havia romances como Dom Casmurro em que o leitor tem a prerrogativa de escolher o desfecho que considera mais apropriado. Todavia, quem nunca se perguntou sobre o que pensava Machado acerca de Capitu? Ao que parece, a opinião de quem lê já não é tão autônoma assim, nem se fazem mais leitores como antigamente. O que interessa mesmo, no entanto, é que aquele que lê até pode intervir, mas a própria Capitu nunca pôde dar a si o destino que bem queria: jamais conheceu o livre arbítrio. Assim, se traidora, de maneira alguma poderia ser, por tal, culpada.
Entre outras divagações, nossa leitora teve compaixão, sensibilizou-se com o destino dos personagens, sua vida prisioneira, ao passo que se alegrou consigo mesma, com as possibilidades que lhe surgiam, com a liberdade que possuía em não ser obra de mãos humanas.
Envolvida em um sentimento de tristeza e contentamento diluídos, como líquidos que se misturam em um copo, chorou mansamente aquela solução, derramando-a, gota a gota, num acalanto, embalada entre as lágrimas mornas de quem é livre mas não sabe o motivo e, por isso, preferia estar em um livro.
Nem sei o que pior: não ter liberdade ou não ter o que fazer com ela.
ResponderExcluirMe lembrou o poema:
ResponderExcluirNo Cárcere
Por que hei de, em tudo quanto vejo, vê-la ?
Por que hei de eterna assim reproduzida
Vê-la na água do mar, na luz da estrela ?
Na nuvem de ouro e na palmeira erguida ?
Fosse possível ser a imagem dela
Depois de tantas mágoas esquecida!...
Pois acaso será, para esquecê-la,
Mister e força que me deixe a vida ?
Negra lembrança do passado! lento
Martírio, lento e atroz! Por que não há de
Ser dado a toda mágoa o esquecimento ?
Por que ? Quem me encadeia sem piedade
No cárcere sem luz deste tormento,
Com os pesados grilhões dessa saudade ?
do Bilac.
Ah, liberdade... até onde vai, até que ponto não passa de um cárcere mais vasto em que temos "liberdade" dentre as possíveis escolhas... bem, entre outars divagações possíveis...