quarta-feira, setembro 02, 2009

verborragia

Serei breve. Não irei me alongar. Juro, não me demorarei demais. Serei curto, pois o que tenho a dizer são coisas que não são ditas.
Asseguro-te de que desaprendi a língua materna, a que nos criou, amamentou, deu-nos lições e, por fim, viu-nos pessoas feitas. Assim, já não há como falar. Partiram fala, vocabulário, compreensão.
Poderias dizer, talvez: "melhor assim, são coisas que não são ditas". Eu teimaria, como agora o faço. Teimaria resoluto, sem saber falar, numa teima, para além de muda, também analfabeta, abrindo a boca para o único que resta: o grito.
Por certo, repetirias: "são coisas que não são ditas" e eu insistiria contigo e te faria ouvir o que grito fosse se converter no reaprender da linguagem cotidiana, ocasião em que me faria eloqüente, num longo discurso. Da tribuna, ouvir-me-iam todos atentos e eu, de quando em quando, levaria o copo à boca, lavando a garganta em gelados goles de desespero, de quem sabe que, com a ferida aberta, perde sangue e palavras.
Tal qual orador da pior espécie, destes que muito falam sem nada dizer, encheria teus ouvidos de assuntos só meus e  choraria num ato infantil. Sim, não me esqueço de que estas são coisas que não são ditas. Mas que importa? É que não posso calar. Se for do teu agrado, ouve. Já não me é possível contar com paredes e para elas.
É isso desconhecer a língua mãe. É perder também sua proteção, seu cuidado materno. Agora, fogem-me sangue e palavras, nesta hemorragia de verbos. Repara em todo esse sangue. Vê que já perco a cor.
Mais outra vez sei que falarias: "isso são coisas que não são ditas". Ah, cala-te e ouve, só. Ajuda-me a conter isto que jorra, estanca o sangue que de mim se desprende e, se estiver ao teu alcance, ajuda-me a me recompor.