quinta-feira, janeiro 20, 2011

Ya pasó
Ya he dejado que se empañe
La ilusión de que vivir es indoloro
Que raro que seas tú
Quien me acompañe, soledad,
A mí, que nunca supe bien
Como estar solo
Jorge Drexler




Sentei-me e pedi café acompanhado dos biscoitos chamados "biscoitinhos ingleses", ainda que eu não corcordasse com o nome deles. Comi e bebi pensativa, esquivando-me corajosamente dos olhares, fossem piedosos, interessados ou simplesmente curiosos. Categoricamente, ignorei todos, detida na minha xícara, que se mostrava silenciosa e sóbria como a mulher que queria me tornar.
Havia assumido, com paixão, a condição que me era de direito: a de ser só. Fi-lo sem lamentos nem dor, agarrada à certeza de que nisso residia a plenitude e a serenidade sonhada por tantos, mas abraçada apenas pelos fortes, que já não lutam, cega e estupidamente, contra a solidão.
Era preciso amar a si na medida exata. Nem mais, nem menos. A receita era mais perfeita que a dos biscoitinhos ingleses e eu estava disposta a prová-la.
Não bastava o amor próprio suficiente para se suportar. Fazia-se imprescindível, antes, gostar de estar consigo, mas na proporção adequada para se evitar um alheamento do mundo ou uma migração ao universo dos espelhos, onde tudo que se vê é reflexo e o reflexo do reflexo até que o ser se torna apenas um reflexo doente e delirante.
Equilíbrio era a palavra que combinava imensamente com aquele café e casava com os biscoitos. Tudo isso, por fim, afrontava os olhares, desafiando aqueles que não admitem a solidão menos por ela mesma que por jamais haverem tido a ousadia de experimentá-la.
Pedi outro café, pois melhor companhia eu nunca havia encontrado. Alinhei os cabelos, olhando-me em um dos espelhos que ali estavam dispostos por toda parte para causar a impressão de maior espaço. Também eu me senti maior e a rua, assim como os tipos apressados na calçada, já pareciam tão pequenos.

quarta-feira, janeiro 12, 2011

conversa de mãos dadas

- E então? O que eu te disse naquela ocasião?
- Muitas coisas... Tantas que seria imposível dizê-las todas.
-Mas eu não falei contigo por dias.
- Você dizia sem falar.


Há momentos em que as palavras atrapalham. Talvez por isso, naquela altura da vida, já se faziam elas desnecessárias e até incovenientes. Os olhos míopes enxergavam muito além do que podia a linguagem descrever e os rostos gastos pelo tempo faziam-se expressivos como nenhuma frase. Era a convivência de uma vida conjunta e sólida, era o amor.
As inconstâncias dela não o surpreendiam, ao passo que as manias de velho, que ele demonstrava desde seus vinte e alguns anos, tampouco eram novidades que a encontrassem desprevinida. Adaptaram-se um ao outro com a incrível desenvoltura de quem confia no amor não obstante os percalços, tendo-o como decorrência direta da emoção e da razão, numa mesma medida: perfeitamente bela e matematicamente precisa, por não serem a estética e o cálculo excludentes, mas, antes, complementares.
O equilíbrio pleno não era, por certo, absoluto, como não poderia ser, imperfeitas que são todas as coisas. No entanto, foi nas imperfeições e confiança mútuas que encontraram o sentido de tentarem a felicidade, encoberta por falhas humanas e defeitos dos quais nenhum mortal escapa.
Naquele dia, como em tantos outros diálogos de tato em que as mãos enlaçadas conversavam entre si enquanto os olhos de ambos se conservavam distantes, perdidos na beleza do amor ido e do vindouro, ela ouviu, sem que ele precisasse dizer, o quanto era grato por tudo, enquanto as mãos dela lhe falaram que, com ele, fora e seria a mulher mais feliz.
A conversa de mãos ecoava no horizonte, preenchia os corações do casal. Estavam tão convictos do vivido que nada lhes parecia tão certo quanto tudo que lhes havia ocorrido, incluso os erros que os punham um diante do outro, frágeis e desnudos. Mudos.