As paredes eram brancas. De tão vazias doíam aos olhos e causavam certo descontentamento porque nada poderia ser tão limpo, branco ao ponto de não se traduzir em qualquer mensagem.
Vieram, pois, os pincéis e se puseram a com as paredes conversar, a nelas imprimir sentimentos e sentidos, aos poucos, com a mesma calma de velhos professores que, com avançada idade, já não tem pressa de cumprir a missão assumida.
Os ensinamentos que traziam eram um mundo novo, encantamento sem fim. A primeira lição foi o Dom Quixote e Sancho Pança, de Portinari. A imagem era engraçada e deu um especial colorido às paredes, que quiseram rir, mas não puderam porque, como se sabe, elas apenas tem ouvidos, mas boca lhes falta.
A segunda tela que os pincéis imprimiram nas paredes foi O nascimento de Vênus, de Botticelli. Nesse dia, as inexperientes alunas imaginaram que haviam conhecido o que de mais bonito existia no mundo, ocasião em que se depararam com a terceira tela: Santa Inês, de José de Ribera, quando conheceram um confuso conceito de silêncio contemplativo que os professores tentaram ensinar. Naquele mesmo dia, tiveram aulas sobre tristeza, na tela Mulher chorando, de Pablo Picasso.
Aprenderam, ainda, o significado da palavra "labor", em As respigadeiras, de Jean-François Millet e em Flagelação, de Vicente do Rego Monteiro. O sentido do vocábulo "desespero" encontraram em Naufrágio de Sírio, de Benedito Calixto de Jesus, enquanto o absurdo compreenderam em A persistência da memória, de Salvador Dalí.
Crescendo ia a convivência de duas realidades - a de quem não conheceu outra cor além da própria falta de cor e a de quem mergulhou em tantas tintas quantas eram as que sobre a terra existiam. Os respingos, as marcas que os pincéis traziam não escondiam a experiência dos que tudo procuram provar.
Os pincéis lecionavam, e, doutra forma, reaprendiam os próprios conceitos, pois as paredes, mesmo brancas, imóveis e só ouvidos, conseguiam, de sua forma, ensinar.
Ao cabo de todas as lições, viram-se as paredes repletas de tantas cores e formas que jamais haviam imaginado. Olhando-se ao espelho, sentiram-se perplexas. De abismadas, sentiram-se belas. De lindas, sentiram-se plenas. Nesse instante, irrompeu a fala da boca que outrora não possuíam. Agora, as paredes tinham lábios, língua, olhos e, surpreendentemente, coração. Gratas aos pincéis, de forma espantosa, sentiram-se capazes de amar e prontas para, com a boca que haviam ganhado, falar-lhes do sentimento nascido no coração vermelho que nelas os pincéis haviam estampado.