sábado, junho 08, 2013

Sobre amar

"Não é que se pense que o amor não é importante. Todos sentem fome dele; assistem a infindável número de filmes sobre histórias de amor, felizes e infelizes; ouvem centenas de sovadas canções que falam de amor; e, contudo, quase ninguém pensa haver alguma coisa a respeito do amor que necessite ser aprendida. A maioria das pessoas vê o problema do amor, antes de tudo, como o de ser amado, em lugar do de amar.
(...)
Dificilmente haverá qualquer atividade, qualquer empreendimento que comece com tão tremendas esperanças e expectativas e que fracasse com tanta regularidade como o amor."
(Erich Fromm, A arte de amar, 1961)

Comprei uma asa delta pra tentar um voo
Tentei, não consegui, mas vou tentar de novo
O problema é que eu não sei como subir no morro
E é preciso estar no alto pra se atirar
(Apanhador Só, Cartão Postal, 2012)


a leitura combina com esta música

Poderia ser um título de um livro de auto-ajuda, mas, longe disso, A arte de amar é uma obra da psicanálise. Trata desse esforço cotidiano, diuturno, de ser feliz e, às vezes, de fazer alguém feliz. Não raro, como refere Fromm, o empreendimento falha ante a falta de compreensão do seu real sentido. O grande desafio quase sempre parece consistir em ser amado, tornar-se amável, quando a lógica é diametralmente oposta: é fundada na escolha por amar o outro. Este deveria ser o ponto de partida.
Na realidade, custa-nos decidir pelo amor. É que não se cuida de simples sentimento, que corre nas veias livremente e flui ar afora. Trata-se de uma decisão, escolha diária. Faz-se necessário subir a ladeira íngreme, que é a dificuldade de ratificar o nosso "sim" ao amor. É pena - e penar -, posto que quase sempre dói.
Se, como ensina a canção, "é preciso estar no alto para se atirar", torna-se cada vez mais raro quem ouse sofrer o esforço da ladeira para, enfim, alçar voo; e é assim que o sentimento, embora pretensioso, costuma fracassar regularmente.
Não seria necessário falar tantas coisas não fosse o fato de que lições evidentes, acerca de assuntos já exaustivamente tratados, ainda se fazem tão imprescindíveis. Não aprendemos e talvez nunca venhamos a ter a certeza de algumas verdades como a de que o amor nos ultrapassa, vai além da vida. Transpassa a respiração, atravessa a alma. Ganha o infinito porque, embora seja decisão, é, sobretudo, fundado na liberdade, de quem, escolhendo amar, liberta as amarras que o prendem a si mesmo. E voa.
Nem todos conseguirão ir tão alto, muitos irão fraquejar na subida. Quanto aos que persistirem, será sempre surpreendente ter o vento no rosto, sentir-se com asas e perceber que nada faria tanto sentido quanto ir até o fim.

domingo, janeiro 06, 2013

Ano e nuvens

Et sous le firmament
On oublie les règles el les acquis
(Coralie Clément - L'hombre et la lumière)

- E quanto a 2012?
- Eu diria que foi um daqueles anos que marcam.
- Foi bonito.
- Sim... Primeiro a alegria e o alívio de quem alcança uma meta. Depois, outros planos concretizados. Então, as mudanças, as distâncias, os desafios; os desertos e  beleza que neles encontramos mais tarde. Além, é claro, da consagração de um amor que resiste às ausências e se renova, sempre imprevisível como uma criança travessa, que, no fim, inevitavelmente encanta com seu sorriso pueril.
- Foi tudo isso?
- Foi mais. Este ano que passou foi como decifrar as nuvens. Ganhando formas inesperadas, maravilhou com cada nova surpresa, para a qual eu apontava o indicador sorrindo, descobrindo a novidade, quando, sem mais, surgia mais outra forma, outro quadro igualmente fascinante. É. O ano de 2012 foi, assim, um contemplar de nuvens.
- Que graça!
- Foi tudo graça mesmo, na dupla acepção da palavra: algo que fez sorrir e um dom divino - um feliz presente.