Deixe um pedaço seu
num recado, desenho, num retrato
ou eu
eu nem sei.
Deixe um pedaço seu
numa frase, num abraço, fraise, que me cale
e eu
eu já sei.
Eu dançaria, por horas a fio, no diálogo quase nervoso, asfixiante como o ar que é puro demais. Mais uma vez, sem rodeios ou disfarce, eu beberia de você, com uma sede leve e constante, pousando em ti meu olhar ansioso, como quem tivesse medo de ver a fonte se esgotar.
Ainda novamente eu escutaria uma música marcante, deparando-me com você, reflexo meu, sentindo igual, dividindo comigo o que tínhamos de mais precioso: nossas ideias secretas, pensamentos íntimos e sonhos, tudo espécies da loucura que nos assola, humanos que somos, eternos que somos.
Eu te veria transbordar mais, derramando tuas águas no papel, criando formas, traduzindo sentimentos, traçando irrealidades a ponto de fazê-las concretas em preto e branco. Eu te contemplaria como o mar de águas violentas e sem fim, surpreendendo-me com a calma que nasce do caos, que tuas mãos reduziriam a contornos negros. Eu ouviria, com contentamento, tua concretude inventada, teus planos mitológicos, tuas explicações do mundo sem pensar em discordar e já discordando sem pensar.
Eu esperaria um pedaço seu, deixando um meu, sabendo que mais à frente nos encontraremos. Por estradas diversas, chegaremos, fatalmente, a um lugar em comum para o próximo abraço apertado.